Muitas já foram as críticas feitas por historiadores ao termo evolução. Muitas também foram as menções a essas críticas. Está, pois, sedimentada a cisão entre o historiador atual e o discurso popular em torno dos mecanismos de transformação social. Atrevo-me, contudo, a retornar a essa discussão e tentar esmiuçar o seu sentido.
Desde muito, a história é objeto de si própria. Nesse sentido, o repúdio ao termo evolução para descrever os eventos históricos não esteve sempre presente nos debates da historiografia. Em determinado ponto, contudo, o problema apareceu e os motivos para isso foram certamente inúmeros. Ao meu ver, o fim do Estado Soviético foi um dos mais importantes. É certo que Marx não foi o único filósofo da história, mas o impacto de suas ideias sobre seu rumo foi deveras relevante, seja por sua extensão ou por sua intensidade. Assim, com o fim do sonho comunista, a crença na filosofia da história perdeu vigor, já que sua maior vertente fracassara. O proletariado não tomou as rédeas do poder, as classes sociais não desapareceram e a história não chegou ao fim. A partir desse ponto, a historiografia passaria a desprezar qualquer discurso que vislumbrasse um sentido na história, porque isso implicaria na crença em um único caminho a ser seguido, ou, ao menos, um único destino. A palavra do dia viria a ser opção, ou mesmo escolha. A história perdeu as suas pernas e o homem passou a ser seu sujeito ativo. O futuro tornou-se incerto. Nesse cenário, a evolução não tem lugar.
Mas há outros motivos para explicar a aversão ao termo evolução por parte da historiografia. De certo modo, imaginar que o futuro existe para aprimorar as pessoas diminui o objeto de estudo da história, pois esse seria sempre menos louvável que o presente. E mesmo que se adote o discurso de que a exibição dos erros do passado pode ajudar a evitar que ocorram novamente, permanece a sensação inquietante de que somos sempre um pouco pior do que nossos irmãos do futuro. Por outro lado, creio que a grande distância que se formou entre historiadores e não-historiadores talvez também tenha outras razões. Uma delas seria a própria noção do que seja a evolução.
Atualmente, o termo evolução possui duas acepções, embora as pessoas, ao utilizá-lo, não façam essa distinção. Quando Darwin colocou a palavra evolução em nosso vocabulário diário, ela foi aos poucos desprendendo-se do sentido usado em A Origem das Espécies. Ao explicar os seres vivos como um produto do tempo, por meio de processos como seleção natural e mutação genética, muitos concluíram que o naturista fazia um apologia ao presente. Os biológos talvez sejam os mais conscientes de que não era esse o caso. Afinal, se nossas atuais girafas conseguem sobreviver nas savanas de altas árvores, com certeza morreriam nas savanas de seus antepassados. Nesse sentido, elas não podem ser descritas como melhores que seus pais, mas apenas diferentes. A noção do tempo marchante, contudo, talvez tenha criado essa associação entre evolução e melhoramento, pelo fato de que os ascendentes morrem cronologicamente primeiro.
Com base nessas duas acepções, os historiadores não necessitam expurgar a palavra evolução de seus textos, mesmo que tenham descartado a filosofia da história. Para isso, é suficiente quem lembrem o leitor de que usam a acepção darwiniana do termo: mudança. É bem possível, contudo, que ainda assim não tornem seu discurso convincente, porque o questão central do leitor não está na escolha do termo, mas na própria ideia de que a história seja apenas isso: mudança.
É certo que a filosofia da história de Marx morreu. Mas há fortes indicídios de que nem toda filosofia da história teve o mesmo fim. Com efeito, ela vem desempenhando um papel nos últimos séculos que a Idade Média reservava à religião: um porto seguro, um sonho, uma esperança, uma certeza. Hoje deus são muitos, a vida terrena ganhou valor e a fé é a única ligação entre o homem e o perfeito. Sem uma religião unipresente e infalível, foi preciso encontrar um novo lugar por que o homem pudesse esperar: o futuro. A filosofia da história deu ao homem esse lugar bonito, esse destino inevitável. Os erros de presente tornaram-se suportáveis, o medo desnecessário e o arrependimento completamente inútil, pois qualquer caminho levará ao mesmo lugar: um homem melhor. O mundo moderno é assim o mundo do tempo, e o historiador terá de aceitar que seu objeto foi colocado no altar. Ademais, se quiser fazer parte do culto, deverá encontrar outro Marx, um novo sentido, apontar o destino; pelo menos, até a próxima era chegar.
Desde muito, a história é objeto de si própria. Nesse sentido, o repúdio ao termo evolução para descrever os eventos históricos não esteve sempre presente nos debates da historiografia. Em determinado ponto, contudo, o problema apareceu e os motivos para isso foram certamente inúmeros. Ao meu ver, o fim do Estado Soviético foi um dos mais importantes. É certo que Marx não foi o único filósofo da história, mas o impacto de suas ideias sobre seu rumo foi deveras relevante, seja por sua extensão ou por sua intensidade. Assim, com o fim do sonho comunista, a crença na filosofia da história perdeu vigor, já que sua maior vertente fracassara. O proletariado não tomou as rédeas do poder, as classes sociais não desapareceram e a história não chegou ao fim. A partir desse ponto, a historiografia passaria a desprezar qualquer discurso que vislumbrasse um sentido na história, porque isso implicaria na crença em um único caminho a ser seguido, ou, ao menos, um único destino. A palavra do dia viria a ser opção, ou mesmo escolha. A história perdeu as suas pernas e o homem passou a ser seu sujeito ativo. O futuro tornou-se incerto. Nesse cenário, a evolução não tem lugar.
Mas há outros motivos para explicar a aversão ao termo evolução por parte da historiografia. De certo modo, imaginar que o futuro existe para aprimorar as pessoas diminui o objeto de estudo da história, pois esse seria sempre menos louvável que o presente. E mesmo que se adote o discurso de que a exibição dos erros do passado pode ajudar a evitar que ocorram novamente, permanece a sensação inquietante de que somos sempre um pouco pior do que nossos irmãos do futuro. Por outro lado, creio que a grande distância que se formou entre historiadores e não-historiadores talvez também tenha outras razões. Uma delas seria a própria noção do que seja a evolução.
Atualmente, o termo evolução possui duas acepções, embora as pessoas, ao utilizá-lo, não façam essa distinção. Quando Darwin colocou a palavra evolução em nosso vocabulário diário, ela foi aos poucos desprendendo-se do sentido usado em A Origem das Espécies. Ao explicar os seres vivos como um produto do tempo, por meio de processos como seleção natural e mutação genética, muitos concluíram que o naturista fazia um apologia ao presente. Os biológos talvez sejam os mais conscientes de que não era esse o caso. Afinal, se nossas atuais girafas conseguem sobreviver nas savanas de altas árvores, com certeza morreriam nas savanas de seus antepassados. Nesse sentido, elas não podem ser descritas como melhores que seus pais, mas apenas diferentes. A noção do tempo marchante, contudo, talvez tenha criado essa associação entre evolução e melhoramento, pelo fato de que os ascendentes morrem cronologicamente primeiro.
Com base nessas duas acepções, os historiadores não necessitam expurgar a palavra evolução de seus textos, mesmo que tenham descartado a filosofia da história. Para isso, é suficiente quem lembrem o leitor de que usam a acepção darwiniana do termo: mudança. É bem possível, contudo, que ainda assim não tornem seu discurso convincente, porque o questão central do leitor não está na escolha do termo, mas na própria ideia de que a história seja apenas isso: mudança.
É certo que a filosofia da história de Marx morreu. Mas há fortes indicídios de que nem toda filosofia da história teve o mesmo fim. Com efeito, ela vem desempenhando um papel nos últimos séculos que a Idade Média reservava à religião: um porto seguro, um sonho, uma esperança, uma certeza. Hoje deus são muitos, a vida terrena ganhou valor e a fé é a única ligação entre o homem e o perfeito. Sem uma religião unipresente e infalível, foi preciso encontrar um novo lugar por que o homem pudesse esperar: o futuro. A filosofia da história deu ao homem esse lugar bonito, esse destino inevitável. Os erros de presente tornaram-se suportáveis, o medo desnecessário e o arrependimento completamente inútil, pois qualquer caminho levará ao mesmo lugar: um homem melhor. O mundo moderno é assim o mundo do tempo, e o historiador terá de aceitar que seu objeto foi colocado no altar. Ademais, se quiser fazer parte do culto, deverá encontrar outro Marx, um novo sentido, apontar o destino; pelo menos, até a próxima era chegar.
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