domingo, 26 de agosto de 2018

E é.

Passos a caminho de um destino, ou sem destino
como se estar vivo fosse suficiente para seguir em frente
e é.

Com ressalvas, é claro; temores... mais pela incompreensão
porque não há o que compreender
como se estar vivo fosse suficiente para duvidar de (quase) tudo
e é.

"Para onde vai?" - olho surpreso; achava estar sozinho
"Não sei."
"Posso ir com você?"

Os passos ficaram curtos; o destino, um afago
porque não há o que compreender
como se estar vivo fosse suficiente para sorrir
e é.

"Achei que fosse caminhar só, correr só, e devagar só"
"Posso ir com você?"
como se estar vivo fosse suficiente para dizer sim
como se dizer sim fosse suficiente para querer
e é.

Porque alguém irá comigo
como se isso fosse suficiente para ser feliz
e é.


sábado, 18 de agosto de 2018

Do outro lado da rua

Do outro lado da rua ela espera
há tanto tempo ela espera
sem perceber

Fechou os portões
e disse:
aqui não entra mais ninguém

e ninguém nunca saiu

Do outro lado da rua ela pensa
que pode vislumbrar melhor
ou pelo menos observar melhor

ninguém vai sair

Já passaram muitos
variadas formas
variados tempos

mas algo não muda jamais

Do outro lado da rua ela espera
que o dia seja mais bonito
ou menos doído

Por isso fechou os portões
os trancou:
aqui ninguém mais entra

então como ele entrou?

Do outro lado da rua ela pensa
que a espera chegou ao fim

Minha querida...

a espera mal começou.

sábado, 11 de agosto de 2018

Eu digo sim

Estou chorando. Meus olhos doem: de cansaço, de desespero. Porque estou chorando. Começou há alguns dias. Eu sei que ando sentindo muito. E tenho tentado entender o que aperta o meu peito. Há coisas que estão aqui há muito tempo; que, de tempos em tempos, voltam. Mas há coisas novas também. Eu contei um pouco para você. Dividi minhas angústias. Mas hoje eu chorei muito. Tanto. Como já não fazia há muito tempo. Pensei que fosse o mesmo medo: mais intenso, ou mais confuso. E inventei uma história em minha cabeça. Bolei o enredo e, por ele, chorei. 

Quando você estava aqui, deixei meus sentimentos escaparem. De um modo tímido, covarde. Eu disse que estou apaixonado, mas que, ainda assim, poderia viver bem sem você. Que aceitaria o seu não, a sua partida; como um episódio a mais, entre tantos outros. Falei que o que importava era o momento. E eu tinha razão. É o momento que importa. Mas também não tinha razão: porque sua partida faz diferença. Dói. Eu choro porque você não está aqui. E choro porque você está aqui.

Eu busquei hoje informações sobre visto. E cheguei à conclusão que a resposta mais simples e segura seria casamento. Para que você pudesse viajar comigo; estar comigo. Então comecei a pensar em como seria esse dia. O dia em que diria sim para mim. E esse pensamento me pareceu tão bonito. E tão possível. Me veio o desejo de ver suas fotos e o choro retornou  forte, incessante. Percebi naquele momento que não era apenas um arranjo burocrático: eu realmente quero casar você.

Há muitos anos eu desisti dessa ideia. Não era mais parte de mim. Eu arranquei qualquer traço de entrega, de promessa, de amor. E me assusta muito. Imaginar que eu poderia voltar novamente àquele lugar  vulnerável,  delicado, inseguro.

Eu não sei o que vai suceder. E não sei o que está sentindo. Nem sei ao certo se irei aguentar essa leva de sentimentos, essa leva de amor, que há tanto não vivia. Mas o que importa é o momento. E, nesse momento, eu diria sim. Eu diria sim. Eu digo sim: para mim e para você. Eu digo sim.






terça-feira, 7 de agosto de 2018

No meio

Estou preso no meio,
na divisa, na fronteira.

Pertenço ao lugar de onde vim
e ao lugar para onde irei,
mas estou preso aqui.

Posso olhar para trás,
ver o caminho,
lembrar e saber
exatamente onde errei,
mas não posso mudá-lo.

Posso olhar para frente, 
ver mil caminhos,
vislumbrar e saber
exatamente aonde darão,
mas não posso tomá-los.

Porque estou preso no meio.

Não faz sentido, eu sei,
essa prisão.

Essa cri-a-ção...
Essa cre-a-ção...

Mas tampouco faz sentido
que não estou,
que apenas sou.

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Quando eu era adolescente, eu queria chupar o pau de um colega de sala. Talvez eu quisesse beijá-lo, abraçá-lo, mas, em minha cabeça, a cena que se repetia era a felação. Mas eu não tinha coragem de dizê-lho. 

Então, depois de muito pensar, eu tive uma ideia. Eu peguei uma revista, recortei as letras e as usei para escrever um bilhete. Ali eu dizia exatamente isso: que eu queria chupar-lhe o pau. 

Só que depois eu não tentei entregar-lhe o bilhete, ou deixá-lo entre seus pertences para que pudesse achá-lo. Acho que o rasguei pouco depois. Mais um de n desejos de então que não tive coragem de lutar para torná-lo verdade. 

Nunca saberei como teria sido sentir a textura de seu pênis em meus lábios e gosto de sua porra em minha boca - mesmo se sucedesse hoje. Porque não sou o mesmo e ele não é o mesmo. 

Nunca saberei como teria sido não sentir medo, não sentir vergonha. E isso dói. Quando lembro de tudo que poderia ter sido, não sei se tenho raiva, ou apenas tristeza. Sei apenas que dói - porque estou preso no meio.