domingo, 29 de maio de 2011

De Civitate Dei

Em 410, Roma sofreu um grande ataque pelos Visigodos, deixando a cidade em um estado de choque. Sua população, aterrorizada pelo evento, lutava não apenas para seguir a vida, mas também para compreender o que levara os ceús a os castigar tão severamente. Um baque dessa magnitude seria mais do que suficiente para abalar a fé da récem-instituída religião oficial do Estado. Pouco antes, o cristianismo era uma dentre muitas religiões que poderiam ter prosperado, e seu domínio não o era sem resistência.

Mas o cristianismo foi salvo, como todos sabemos. Em grande medida, um de seus salvadores foi Agostinho de Hipona com sua obra cidade de deus. Como ele fez isso? A princípio, a solução mais óbvia seria reverter o quadro de crise romana e mostrar aos cristãos que deus estava a seu lado. A despeito de sua obviedade, essa solução era certamente a mais trabalhosa. Assim, ao invés de mudar o mundo, Agostinho decidira mudar deus. Ou ainda, separar o mundo (dos homens) de deus.

Agostinho foi tão sucedido porque percebera que a realidade era percepção. O cristianismo estava em crise, porque se percebia o mundo como o mundo de deus. Essa era uma opção; ele oferecera outra. Ao escrever seu livro, Agostinho estabeleceu uma doutrina nova, em que criava um novo mundo, em que criava uma nova percepção. Deus não era mais o senhor da vida terrena, mas apenas o senhor da vida espiritual. Mesmo que não tenha sido o primeiro que separou o corpo do espírito, ele foi o primeiro a dizer que deus só reinava sobre o espírito, tirando assim qualquer responsabilidade divina sobre os acontecimentos seculares. O grande ataque contra Roma não era mais uma obra de deus, mas uma obra dos homens. A fé não estaria mais abalada e o cristianismo pôde então prosperar.

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Eu pensei nessa história diante de sua aparentemente crescente espiritualidade. Eu me pergunto em qual posição você se coloca. Seria para você afinal o reino dos espíritos um mundo à parte ou as regras são as mesmas seja em qual plano estiver. Eu sei que para você existe o espírito, então estou tomando isso como premissa. Mas a existência do espírito por si só não torna seu discurso coerente. Justifico esse pequeno texto por uma frase que você falou. Novamente retraço os eventos à nossa última - e tão lamentável - conversa. Você fez uma sugestão [sic] de que talvez eu devesse procurar algum tipo de conformo espiritual; afirmou que estava encontrando a paz.

Por um lado, você nega veementemente a cidade de deus. Em tantos momentos, você aplica regras de deus aos homens, e vice-versa. Você reza para que deus ilumine seu caminho. Você escreve como se seus sentimentos fossem obras espirituais. Você, de fato, coloca-se lado a lado ao mítico. Deus ganha graças humanas e você ganha graças divinas. Você diz que a sua existência é um presente, em um jogo de retórica, na tentativa de não desacreditar.

Mas, por outro lado, você afirma categoricamente a cidade de deus. Foi assim que você me descartou. Você estabeleceu que os erros dos homens são apenas dos homens e, por isso, nos céus esse erro não há de prosperar. Você negou o perdão e o arrependimento porque eles são meros acontecimentos terrenos. Eu fui afinal o seu ataque contra Roma. Fui um desastre e, mesmo assim, a sua fé conservou-se.

Eu sei que esse seu paradoxo é, no fundo, mera manifestação de seus medos. E de sua conveniência. É difícil viver como a grande vítima... ou como o grande vilão. Mas está tudo bem. Ainda há muito por vir... e pouco por vir. Seja qual for sua percepção, ou minha percepção, são apenas isso. A cidade de deus continuará no papel, mesmo que seja na cidade dos homens onde você me colocou.

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