Há alguns dias, ouvi um comentário de meu amigo Rafael que me despertou a atenção. Após alguma frase minha - a qual não lembro exatamente - , ele disse algo do tipo: não entra na do Alexandre, ele tem um jeito estranho de enxergar a morte.
Não vou dizer que foi o seu comentário em si que me chamou a atenção. De fato, é possível que eu mesmo classifique meu modo de ver a morte como estranho. O que eu achei mais interessante foi o fato de minha colocação tê-lo marcado de alguma maneira, ao ponto de que ele relembrasse minhas palavras tempos depois.
Por isso, um pouco da motivação da escrita desse post seja ele - que tem se mostrado, realmente, como um assíduo inspirador de posts - , mas parte deve-se também ao seriado cujo título foi trazido no Brasil como 'A Sete Palmos'.
Embora a série tenha sido, com efeito, algo marcante, não chegaria ao ponto de falar que foi determinante para que eu mudasse o modo como via a morte. Poderia até dizer que seu papel foi resumido como mero expositor: as raízes já estavam lá desde muito antes.
A primeira coisa - e a mais importante - que gostaria de colocar é a seguinte: a morte salvou a minha vida. Colocado de uma forma mais clara, a morte passou a ser como um alívio, um limite que eu não sabia - ou percebia - que existia. A relevância da morte, assim, não é, para mim, seu evento, mas sim a sua mera possibilidade.
Quando eu era jovem, eu não feliz com a vida que tinha ganho. Eu sempre tive a impressão de que era menos, e que eu seria sempre menos. E que eu teria que desprender um esforço enorme, a cada dia que vivesse, que aos outros não seria exigido. Não era exatamente o fato de sentir atração por homens que fazia com que eu me sentisse menos - talvez isso fosse o menor dos problemas. O que realmente era aterrorizador era saber que eu jamais sentiria atração por mulher. E o era porque eu tinha a plena certeza que eu iria casar, ter filhos e sentir a todo momento a dor de ser - ou não ser - aquilo que meu coração dizia que eu não era.
A vida era para mim, então, um sofrimento eterno. Um sofrimento solitário - eu diria mais que solitário, pois a solidão às vezes nos faz bem; o sofrimento que sentia não era nada além de dor - , cujo o fim não existia. Alguns poderiam ler esse texto e pensar: claro que existia essa fim - e existe de diversas formas. É.. Mas, para mim, naquele momento, não existia: eu era muito jovem, e não tinha percebido ainda que a vida passava; eu não havia vivido o suficiente para saber disso. A sucessão dos anos de que as pessoas tanto falavam, as mudanças, o amadurecimento, o envelhecimento, o fim da vida... tudo isso eram palavras que eu não apreendia - eu podia definir, mas não podia verdadeiramente compreender.
Por tudo isso, a cada dia, eu precisava tomar a mesma decisão: continuar ou cessar a vida? O pouco que sabia tinha de ser o suficiente para eu decidir; os poucos segundos entre pular da sacada e permenecer estático precisam ser o bastante. E o foram... por muito tempo. Foram poucos anos que duravam mais do que - provavelmente - todo os outros que o seguiriam.
Quando tinha cerca de 14 anos, eu cansei finalmente. Não sei por quê, exatamente. E, para ser sincero, nem sei se realmente foi o cansaço que interrompeu o eterno círculo. Talvez não. Talvez o próprio passar do tempo tenha sido suficiente. Ou talvez eu tenha chegado a um ponto em que o dilema tenha mudado: continuar ou cessar as sucessivas decisões? Creio que poderia ter caminhado para qualquer um dos lados... mas, novamente, por algum acaso, eu bandei para o fim das decisões. E não porque eu havia chegado a uma resposta, mas porque enxerguei o erro na minha pergunta.
Eu não poderia jamais decidir entre continuar ou cessar a vida. Essa decisão já havia sido tomada há muito... e não por mim. A vida iria cessar. Finalmente eu percebera que meu sofrimento não era eterno. Iria acabar... E não apenas esse sofrimento... qualquer sofrimento. Tudo iria eventualmente cessar. E mesmo que eu esbarrasse com algo grande demais, ou difícil demais, eu poderia sempre - ou quase sempre - decidir por não ter de suportá-lo. Eu finalmente vi que a morte era o grande presente que a vida tinha me dado.
No instante em que ocorreu essa percepção, eu não tinha mais medo: eu estava livre. E com essa liberdade pude começar a vislumbrar tanto mais: finalmente vi que viver com medo não era exatamente viver, que tudo, em algum dia, teria de ser deixado para trás, que as escolhas que faço - no fundo - não fazem a menor diferença. E mesmo que tudo isso não fosse verdade, o fato de eu acreditar já era suficiente para mudar completamente a minha vida. Pois o modo como eu represento o mundo guia as minhas ações.
Então eu faço aqui referência a meu outro 'amig#' - ele vai entender essa grafia - Pedro Demenech, que talvez não entenda por que eu tenho interesse na história vista pelos olhos dos que a viveram e não naquela vista pelos olhos meus. Porque eu aprendi que na vida o que importa é aquilo em que acreditamos - e só isso - , o resto simplesmente não faz a menor diferença. E mesmo que acreditemos nas coisas que, de fato, não o são... também não importa: elas passam a existir simplesmente porque as cremos assim.
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A Sete Palmos (Six Feet Under) conta a história de uma família proprietária de uma funerária. Eu conheci a série no ano de 2006. Muitos dos episódios, assisti junto com meu antigo namorado Daniel, quando ainda morava com meu pai.
Em um desses dias, estávamos na sala vendo um episódio quando meu pai chegou. Ele puxou Daniel pelo braço e mandou gritando ele sair da minha casa. Eu disse que ele não poderia fazer isso; ele o fez assim mesmo. No mesmo dia, eu fui morar com minha mãe.
Um tempo depois, voltei, de uma viagem, para descobrir que Daniel não estava mais aqui. Ele se mudara para outro estado, sem terminar o namoro, sem dizer adeus. E eu o amava do mesmo jeito que amo hoje. Tive mais uma vez um sofrimento profundo. Já havia aprendido, contudo, que não havia decisão a se tomar.
Em 2009, eu aproveitei algum do tempo - que me resta - para re-escrever o final de nossa história, cujo texto eu publiquei nesse blog
aqui.