terça-feira, 2 de outubro de 2018

Dizer eu te amo

Dizer eu te amo parece pouco. Por quê? 

Em certas circunstâncias, dizer eu te amo é muito. Pelo medo da entrega, da ferida - sentida ou infligida.

Mas não é disso que falo. Não falo da hesitação pela hipérbole, mas pelo eufemismo. Pelo fato de que a palavra não irá tocar o objeto a que se refere. 

Para compensar essa deficiência, faço uso de diferentes estratégias. Primeiro, a repetição: digo que amo exageradas vezes. Como se, a cada instância, a palavra abarcasse um pouco mais da experiência que almeja descrever e dela assim se aproximasse. Mas falha. Lanço mão então de figuras de linguagem, que retiram a palavra de seu lugar de conforto para criar algo que, em seu mundo fechado, não tem deveras lugar. Mas falham. Porque mesmo metáforas, comparações e metonímias apenas distraem o interlocutor do fato de que o que se diz não coincide exatamente com o que se quer dizer.

Também fujo do mundo dos vocábulos. Faço gestos, ações. Beijos delicados, também exageradamente repetidos - como se cada toque do lábio no corpo estivesse a desobstruir um canal imaginado de comunicação direta. Abraços, apertados ou delicados, quase sempre prolongados, como se fosse possível fundir pele com pele, como se escutar as batidas do coração fosse o mesmo que entender o motivo pelo qual o faz. E choro, choro - ao ver o rosto, ao pronunciar o nome, ao lembrar, enfim, que ele existe. Como se lágrimas fossem a matéria do sentimento, capazes de externar, ainda que em um ínfimo, o que as provocou. Entrego presentes, escrevo poesias, como se o tempo materializado ou a matéria temporal fossem capazes de condensar o amor. 

Mas não são.

Dizer eu te amo parece pouco. E é. Porque não posso explicar com ideias ou com meu corpo o que minhas ideias e meu corpo condividem. Dizer eu te amo é pouco, mas não dizê-lo contorce minha alma ainda mais, porque essa é a maneira que encontrei para tentar conciliar o que sinto com o que posso expressar. Dizer eu te amo com as palavras repetidas, rebuscadas, fora de seu lugar habitual. Dizer eu te amo com um beijo, um abraço, um gesto, um presente. Com uma vida nova. Dizer eu te amo a cada dia, de uma forma distinta, que ainda terei de inventar. Porque dizer eu te amo é muito pouco.

Dizer eu te amo é pouco. Por quê? Porque o amor é justamente aquilo que não se pode dizer, que não se pode traduzir, que não se manifesta fidedignamente no sensível. O amor não é símbolo. O amor é o único que não é símbolo. E, como seres simbólicos, o amor não faz parte de nós, ainda que esteja em nós. Dizer eu te amo então é tentar simbolizar, é tentar inventar o que já existe, o que pré-existe e o que vai sempre existir. Dizer eu te amo, enfim, é buscar a eternidade que tanto desejamos, mas jamais teremos, porque ao mesmo tempo que amarra, afaga, dá vida e escapa de nossas mãos.   


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