sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Sobre o desejo

Fechei a porta e subi as escadas de volta ao apartamento. Eram pouco mais de meia-noite. Uma hora talvez estivemos aqui. As roupas, ainda jogadas no chão da sala. Comecei a recorrer a blusa, a bermuda, mas decidi usá-las como pano para limpar o chão. Tirei também os lençóis da cama, a fronha suja. Juntei tudo e coloquei na máquina de lavar. Nada poderia ficar como registro. Nada poderia me lembrar que por mais uma vez eu tentara. 

Não consegui dormir muito naquela noite. Vinham-me flashes do que sucedera. E flashes do que a que me remetiam.  E tudo se misturava, assim como o que sentia. Porque a máquina se esforçava para remover aquilo que eu não queria que fosse. Não queria que fosse assim. Minha mente se esforçava para me convencer que nada já passou. Realmente passou.

No dia seguinte, encontrei suas fotos; seu diário. Aquele sorriso tão doce, tão inocente. O amor que transbordava do seu rosto ao brincar com sua prole. O pai herói. Poderia ser uma performance, como de tantos outros, que constroem uma vida fictícia para exibição. Algo, entretanto, tinha que ser verdade. Porque havia um ser humano ali que, de alguma forma, se conectava com quem me engolira na noite anterior. 

Desejei então intensamente fazer parte daquele mundo. Porque mesmo o casamento desfeito, em meio de brigas, também já fora um história bonita. Os dois jovens que se casaram quando o ano voltou a esquentar. Revolucionários, sonhavam em mudar o mundo. Apaixonados, prometeram amor eterno. Isso, nada pode apagar.

Por que tive medo então? Se sabia que ali dentro, em algum lugar, existia amor. Eu poderia apostar nele. Eu poderia ter esperança.

Ao invés disso, eu joguei a velha carta. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário