terça-feira, 19 de junho de 2012

A ponte

Então tirei uma foto da ponte com a câmera de meu telefone. Registrar este momento parece fazer sentido; não é todo dia afinal que cruzo cento e vinte quilômetros para ter a chance de ver alguém. É engraçado as pessoas passando. Não são muitas, é verdade. Muito provavelmente, não vieram de tão longe ou, se o fizeram, não tenha sido hoje o dia. Hoje o dia, entre todos os dias, eu resolvi seguir o que dizia o meu coração e tentar amar novamente. Talvez não tenha sido justo com ele... colocar esse peso da decisão. O que fariam os homens médios ao descobrir que um estranho veio em sua busca? Entregar-se-iam porque, como se sabe, o amor é algo tão raro? Ou fugiram porque, tão claro, abundantes são as enganações? 
Foi estranho chegar àquela cidade aonde nunca tinha ido. Passear pelas ruas que, mesmo desconhecidas, eu conhecia tão bem. Depois de estacionar o carro, caminhei diretamente em direção à sua casa. Percebi as ruas, as construções, os parques... era um belo dia! Apesar de nenhuma nuvem pairar no céu, o ar estava fresco, e a paissagem tão nítida. Que alegria poder encontrá-lo justamente naquele dia! 
Quando cruzei a última rua e finalmente estava em frente à sua residência, era como se aquela fosse uma de tantas vezes. Eu já estive aqui - meu coração palpitou. Eu já estive aqui e não sabia exatamente o que ele iria dizer. Eu esperava profundamente que fosse uma surpresa, uma alegria. Coloquei-me em seu lugar e imaginei como seria acordar e descobrir que o amor de minha estava finalmente aqui... a poucos metros de distância. Mas estava nervoso em descobrir outra verdade. Não eram meus sentimentos afinal que julgariam minha atitude inusitada; seriam os dele. Como veria essa invasão de sua privacidade? Queriria que eu estivesse ali? Talvez nossas trocas confessionais não fossem que um jogo, uma distração. Talvez eu fosse o único envolvido e estava prestes a desmantelar a charada.
Não foi por acaso que minhas mãos estavam então trêmulas. E, ao enviar a mensagem que revelaria meu paradeiro, por aqueles curtos instantes, eu secretamente desejei não estar ali. Não estar a transbordar todo meu amor em um ato espontâneo e aparentemente ausente de receio e razão. Foi talvez por isso um alívio, um despesar tão grande quando ele respondeu dizendo que sim. 
Combinamos que eu iria para o calçadão depois do almoço - já passavam das onze - e ele iria lá me encontrar. Pegaria sua bicicleta e diria para os pais que daria uma volta por algumas horas. Seria talvez aquela minha refeição mais longa... tão pouco tempo para imaginar um futuro tão grande. Então quando caminhava de volta ao centro da cidade, os detalhes eram ainda mais belos, e minha familiariedade com o local tornou-se figura de linguagem: poética e tão encantadora.
Eu olhava para as pessoas na rua e sorria. Até o sons dos carros passando, que até apenas me aborreciam, pareciam agora instrumentos em uma orquestra. Era um sentimento tão bom... de estar vivo! De saber que em pouco tempo eu seria testemunha de um momento tão querido de minha própria vida. Que finalmente o acordar de cada dia ganharia algum sentido além da própria sobrevivência. Seria isso então estar apaixonado? Dar à vida algum propósito... o que o trabalho, a família, os amigos apenas distraíam... esse passar do tempo seria apenas um preparo para o que realmente importava? Parecia que sim. Parecia que eu estava preste a descobrir o que por que tanto esperara. E isso me fazia ridiculamente feliz.
E agora eu estava ali. Sentado no banco do calçadão... olhando o horizonte à espera do garoto que mudaria a minha vida. E eu tirei uma foto da ponte que marcava a paisagem... cento e vinte quilômetros haviam me separado por tantos anos do que eu mais queria: alguém que cuidasse de mim. Alguém que, em meus momentos difíceis, tornasse a vida suportável. Naquele instante, percebi que minha decisão não foi deveras uma decisão. Não havia escolha. Ir para lá e sentar naquele banco era minha única chance de permanecer. E meu coração oco, que até então apenas se mexia, passou a bater com força... passou a fazer música. 
Tudo que importava estaria ali. Então eu esperei. E esperei. Peguei o telefone e vi a foto a da ponte. Ela não estava lá... ou, ao menos, não se podia claramente ver. Uma cerca a encobria. Talvez ela fosse baixa demais, ou eu não escolhera o ângulo correto. Então olhei para o céu... não estava mais azul. Estava encoberto de nuvens que não iriam chover, mas também não iriam embora. E olhei para as pedras que preenchiam a calçada, e vi que ninguém mais sobre elas pisava. Eu estava lá, sozinho. No horizonte, não havia bicicletas. Não havia nada. Então eu levantei, caminhei em direção ao carro e voltei para casa.



  

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