L.,
Escrevo
esta carta para alguém que desconheço e conheço. Desconheço porque nunca nos
vimos ou falamos: estranho dirigir a palavra nessas condições; não saber
exatamente como será a reação a uma leitura íntima vindo de quem existe – na
melhor das hipóteses – apenas na imaginação. Porém, também sinto que a conheço.
Já vi fotos, ouvi histórias, formulei hipóteses sobre que tipo de pessoa é, seus
hábitos, medos, sonhos. E, principalmente, conheci um de seus frutos.
De
certo modo então, esta é uma carta de duplo endereçamento. Não quero dizer que
esteja com destinatário errado. Pelo contrário: quero muito que leia estas
palavras, acredito existir um propósito importante nisso. Mas também não posso
afirmar que seja destinada apenas a você. Faz muito mais sentido,
principalmente em um primeiro momento, revelar este escrito a T. Assim
tenho feito, ainda que numa tentativa mais comedida, recheada de receios: de
que se assuste, de que se sinta esmagado por uma avalanche de sentimentos que
nem eu saberia precisar e dissecar muito bem. Escolho então um interlocutor
especial, que me permita chegar próximo, quase tocar e, com mais tranquilidade,
sentir-me escutado.
Primeiramente,
queria falar um pouco de mim, ainda que se descrever costume ser uma tarefa
ingrata, que se perde entre um anseio – o que gostaria de ser – e uma
expectativa – como acho que me veem. Quase sempre é também falha, porque a
essência parece muito mais uma construção utópica, uma falácia da qual nos
convencemos para poder construir e reconhecer uma imagem no espelho, mas que,
no fim, é mutável e incerta. Apesar dessas limitações, quero arriscar-me nessa incumbência,
para ajudar a explicar meu propósito aqui.
Em
minha autodescrição, entre todas as palavras que poderia usar, eu escolheria falta. Todos temos falta, sentimos
falta. Em mim, porém, esse sentimento parece ganhar um contorno mais marcado,
mais explícito. Porque sinto falta constante, ainda que não seja uma qualquer: minha
falta é de amor. Eu não me lembro de jamais me sentir amado. Minha vida foi
marcada por outros personagens muito diferentes, sendo o maior deles o medo.
Sempre senti muito medo. Medo de apanhar, de ser humilhado, de ser julgado.
Medo de que pudessem olhar para dentro de mim e enxergar tudo que desejo, tudo
que temo, e de verem assim o quanto sou só.
Imagine
então o que foi para um rapaz que sempre testemunhou e vivenciou esses olhares
sádicos esbarrar pela primeira vez com alguém que lhe dissesse sim. Que lhe
estendesse a mão e falasse que está tudo bem em ser diferente. Não hesitar em
tirar a máscara, despir-se, deixar nu o que esteve por tanto tempo escondido.
Eu me apaixonei. Não havia como ser diferente. Não havia como encontrar algo
tão raro e não desejar ardentemente. Poderia até dizer que não acreditava na
existência de um desejo tão forte. Pelo menos, não mais. Eu era um romântico
platônico, mas as experiências mundanas arrancaram, pouco a pouco, a minha
gana. Era um cliché invertido: sem receber, também já não podia dar amor.
T. provou que eu estava errado. E o fez da forma mais delicada e generosa
possível: tratou-me como um ser humano. E sei que não sou exceção. Sei que sua
doçura permeia cada encontro com quem tem a sorte de conhecê-lo. Ele é educado,
gentil. Às vezes, quando lembro dele, começo a chorar, porque me dói saber quem
algo tão belo existe no mundo. Foi um choque muito forte. Um baque do qual ainda
estou me recuperando. Isso me assustou: eu, já tão acostumado com o medo, agora
receio não dar conta de tanta ternura, de não ser capaz de retribuir o ele desperta
em mim.
Mas
não quero ter mais medo.
Então
irei me entregar. Irei me esforçar a cada dia para ser alguém melhor, alguém
digno de estar ao lado de seu filho. É sonho, quase insólito, imaginar poder
acompanhá-lo nessa jornada. Mas é exatamente o que quero. Uma jornada de
companheirismo profundo e de um amor que não cabe no peito. Quero vê-lo feliz,
extravagantemente feliz, porque assim ele me faz. E, por isso, eu gostaria de agradecer a você.
Por ter trazido ao mundo e ajudado a construir quem mudou a minha vida. Eu o
amo, com toda minha alma, e poder amar é o maior presente que já ganhei.
Obrigado,
Vitória,
30 de agosto de 2018.