Todo dia quando acordo, eu tenho uma sensação de neutralidade. Não me sinto bem, não me sinto mal. Esse espaço de dormência descreve minha própria consciência, na medida em que não me encaixei ainda em nenhum contexto particular. É como então se existisse, sem saber exatemente o que isso significa. Como se existir fosse necessariamente um estado no qual nos colocamos.
Angustiado pela incerteza, começo a pensar no dia que passou, na vida que passou. Entretanto, faço esse procedimento de uma forma bastante peculiar: inicio a reconstruir minha consciência como se precisasse me proteger do que está por vir. O que lembro então desse dia, dessa vida não é o agradável, ou mesmo o indiferente, mas o que causa dor, preocupação, medo – aquilo para o que, enfim, tenho de me preparar.
É uma forma muito triste de começar o dia. E seguir com o dia. E estou tão cansado. São anos, décadas nesse estado latente de uma dor preparativa para um mal que não irá acontecer. Assim, há um tempo já, procuro mudar esse hábito, por mais custoso que me seja. Tento, de alguma forma, modular esses pensamentos, redirecioná-los, ressignificá-los. Tento entendê-los. Porque não quero me manter no conforto de uma dor que eu mesmo criei. A vida, por si só, é apenas a sensação de neutralidade que sinto ao acordar. O resto é todo eu. É todo meu.
Ao despertar agora, ao lembrar do dia que passou, da vida que passou, quero sorrir. Porque há por que sorrir. Há muito por que sorrir. Como se existir fosse necessariamente um estado no qual nos colocamos. E é.
Em 1870, Leopold von Sacher-Masoch publicou A Vênus de Peles, obra que ficaria famosa principalmente por conta da inspiração que traria a estudos de psiquiatria, quando o médico Richard von Krafft-Ebing cunhou o termo masoquismo, descrito Psychopathia Sexualis, de 1887. Sigmund Freud popularizaria ainda mais o tema, após incluí-lo em seus trabalhos.
A Vênus de Peles conta a história de Severin von Kusiemski, que se apaixona perdidamente por Wanda von Dunajew. Diante do seu fascínio, Severin pede a Wanda para ser seu escravo e a relação do dois se torna a manifestação da metáfora do martelo e da bigorna: o dominador e o dominado. Em cena clássica, Wanda veste peles de animais, enquanto maltrata seu amante.
Um dos pontos que mais se destaca na história é o prazer relatado por Severin por conta dessas experiências, contrastando o senso comum, que diz que a dor e o sofrimento são necessariamente indesejados. Foi essa aparente contradição que levou o texto para o estudo do comportamento sexual, ou mesmo de forma mais genérica, para descrever o prazer no sofrimento.
O que nem sempre é lembrado, entretanto, é o final da história, quando Wanda encontra um novo amante, de quem quer ser escrava. Severin chega a um ponto de sofrimento tão grande que seu desejo pela amada cessa.
Severin libertado.
Severin libertado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário